Incentivos fiscais e as subvenções para os investimentos

Os incentivos fiscais têm sido há muito tempo uma das principais maneiras pelas quais os governos estaduais atraem investimentos e negócios para suas regiões, buscando promover o crescimento econômico local e a criação de empregos. 

No contexto desse assunto, há uma discussão de longa data em torno da não tributação desses incentivos fiscais para fins dos impostos sobre a renda. 

Esse tema ganhou mais destaque com a aprovação da Lei Complementar n° 160, em 7 de agosto de 2017, que dispõe sobre convênio que permite aos Estados e ao Distrito Federal deliberar sobre a remissão dos créditos tributários, constituídos ou não, decorrentes das isenções, dos incentivos e dos benefícios fiscais ou financeiro-fiscais. 

Essa Lei Complementar estabeleceu que os incentivos fiscais concedidos pelos estados e pelo Distrito Federal são considerados como subvenções para investimento. Além disso, o artigo 30 da Lei n° 12.973, de 13 de maio de 2014, complementando a Lei Complementar n° 160, determina que as subvenções para investimento, mesmo aquelas que envolvem isenção ou redução de impostos, concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e as doações feitas pelo poder público  não serão computadas na determinação do lucro real para fins dos impostos sobre a renda, desde que seja registrados como reservas de lucros e só podem ser utilizados para absorção de prejuízos ou aumentar o capital social. 

Recentemente, a autoridade tributária intensificou o foco nesse assunto, enviando várias notificações aos contribuintes, solicitando que regularizem sua situação de forma espontânea.  

Sobre a tese repetitiva para o Tema 1.182/STJ

Em 26 de abril de 2023 foi publicado acordão sobre o tema que estabeleceu as seguintes questões: 

Impossível excluir os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei (art. 10, da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30, da Lei n. 12.973/2014), não se lhes aplicando o entendimento firmado no ERESP 1.517.492/PR que excluiu o crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL. 

Para a exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS, – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL não deve ser exigida a demonstração de concessão como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.  

Considerando que a Lei Complementar 160/2017 incluiu os §§ 4º e 5º ao art. 30 da Lei 12.973/2014 sem, entretanto, revogar o disposto no seu § 2º, a dispensa de comprovação prévia, pela empresa, de que a subvenção fiscal foi concedida como medida de estímulo à implantação ou expansão do empreendimento econômico não obsta a Receita Federal de proceder ao lançamento do IRPJ e da CSSL se, em procedimento fiscalizatório, for verificado que os valores oriundos do benefício fiscal foram utilizados para finalidade estranha à garantia da viabilidade do empreendimento econômico. 

Um ponto importante para os contribuintes diz respeito à diferenciação feita pelo tribunal entre os incentivos fiscais relacionados a créditos presumidos e outros tipos de incentivos fiscais, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento e outros. O cerne da questão reside na forma como esses incentivos são tratados em relação aos impostos sobre a renda. 

O entendimento central, expresso em uma decisão judicial, aborda o crédito presumido de ICMS como um ato de renúncia de parte da arrecadação. A argumentação se apoia no funcionamento do sistema de não-cumulatividade e sugere que os demais benefícios ou incentivos fiscais, que aliviam a tributação de certas operações, equivalem, na verdade, a adiamentos de sua incidência. 

O acórdão faz referência às palavras do professor Hugo de Brito Machado:

“As isenções, como as imunidades, de determinadas operações, ficam transformadas em simples diferimentos de incidência. Para que isto não ocorresse, necessário seria que ficasse assegurado o crédito do imposto para as operações seguintes.” (MACHADO, Hugo de Brito. Não-incidência, imunidades e isenções no ICMS. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, n. 18, p. 27-39, mar. 1997. p. 39). 

Essa linha de argumentação gira em torno da ideia de que o imposto é recuperado ou cobrado pelo Fisco em função da incidência mais elevada nas etapas posteriores da cadeia de produção. No entanto, é crucial salientar que a decisão judicial reforça a tese de que, desde que os requisitos legais sejam cumpridos (conforme o artigo 10 da Lei Complementar n° 160/2017 e o artigo 30 da Lei n° 12.973/2014), todos os incentivos fiscais podem ser excluídos no cálculo dos impostos sobre a renda. 

Quanto à distinção feita pelo tribunal entre o benefício fiscal do crédito presumido e demais benefícios, a argumentação se fragiliza. Isso ocorre porque, embora o imposto possa ser recuperado ou cobrado nas etapas seguintes da cadeia, para a empresa que obteve o benefício fiscal – seja ele a redução de base de cálculo, redução de alíquota, a isenção, o diferimento ou outro, essa empresa individualmente não terá nenhuma oneração posterior em sua carga tributária. Para ela, o benefício fiscal é definitivo e não sofre impacto de operações futuras. 

Esse argumento se torna ainda mais evidente quando aplicado às empresas varejistas, uma vez que esse setor já vende produtos diretamente aos consumidores finais, onde não existe operações posteriores para que permitiriam a recuperação do imposto ao Fisco.

Do ponto de vista contábil, o regulamento do Imposto de Renda estabelece que as empresas tributadas com base no lucro real devem manter registros contábeis em conformidade com as leis comerciais e fiscais. Isso também é respaldado pelo Código Civil, que exige que as empresas mantenham um sistema de contabilidade para preparar anualmente o balanço patrimonial e o resultado econômico. A Lei das Sociedades Anônimas corrobora essa perspectiva ao enfatizar que os registros contábeis devem seguir os princípios contábeis aceitos. Vejamos: 

Regulamento do imposto de renda (IN 1.700 de 14 de março de 2017) 

DA ESCRITURAÇÃO 

Art. 65. A pessoa jurídica sujeita à tributação do IRPJ com base no lucro real deverá manter escrituração com observância das leis comerciais e fiscais. 

§ 1º A pessoa jurídica sujeita à tributação do IRPJ com base no lucro real é obrigada a adotar a Escrituração Contábil Digital (ECD) e transmiti-la ao Sistema Público de Escrituração Digital (Sped) nos termos da Instrução Normativa RFB nº 1.420, de 19 de dezembro de 2013. 

§ 2º A ECD compreenderá a versão digital dos livros Diário e Razão. 

Código Civil (Lei n° 10.406 de 10 de janeiro de 2002) 

CAPÍTULO IV 
Da Escrituração 

Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico. 

Lei das Sociedade Anônimas (Lei n° 6.404 de 15 de dezembro de 1976) 

Escrituração 

Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência. 

Nesse sentido, tanto as normas brasileiras de contabilidade quanto as normas internacionais enfatizam a importância da representação fidedigna dos eventos contábeis. Os demonstrativos contábeis traduzem eventos econômicos em números. Esses registros não devem apenas representar fenômenos relevantes, mas também representar de forma fidedigna a essência econômica dos fenômenos que pretendem representar.  

Nesse contexto, uma empresa que obtém um benefício fiscal, seja ele um crédito presumido, redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros, a essência econômica é comum: uma redução do imposto a ser pago pela empresa beneficiária. Assim, pergunta-se: qual a razão desses incentivos fiscais possuírem tratamentos tributários distintos para fins dos impostos sobre a renda? 

Além da ausência de diferença na essência econômica desses benefícios, a legislação tributária não estabelece distinções claras entre as várias formas de incentivos em relação ao tratamento tributário para fins dos impostos sobre a renda. É relevante destacar que o artigo 30 da Lei n° 12.973, de 13 de maio de 2014, determina apenas que as subvenções para investimento não serão consideradas no cálculo do lucro real para fins dos impostos sobre a renda, desde que sejam registradas como reservas de lucros e só possam ser utilizados para absorver prejuízos ou aumentar o capital social. 

Conclusão

A decisão judicial abordou a impossibilidade de excluir automaticamente os benefícios fiscais relacionados ao ICMS, como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento e outros, da base de cálculo dos impostos sobre a renda, salvo quando atendidos os requisitos estipulados pela legislação (art. 10 da Lei Complementar n. 160/2017 e art. 30 da Lei n. 12.973/2014). 

Isso significa que os benefícios fiscais, como a redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento e outros, podem ser excluídos retirados da base de cálculo dos impostos sobre a renda, desde que atendidos os critérios legais, que incluem a não distribuição de dividendos e a constituição de reservas de incentivos fiscais. 

Quanto à distinção entre o benefício fiscal de crédito presumido e outras formas de incentivos fiscais de ICMS, o argumento carece de sustentação, pois, isoladamente para a empresa, há, sim, uma vantagem representada pela redução da carga tributária. 

Essa situação torna-se mais evidente quando consideramos as empresas varejistas, que vendem diretamente aos consumidores finais não existindo operações subsequentes tributadas que possam resultar em recuperação do imposto ao fisco. Nesse contexto, é claro que se trata de um benefício fiscal definitivo. 

Por fim, é importante ressaltar que, do ponto de vista contábil, a essência econômica de qualquer incentivo fiscal, seja um crédito presumido, redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento ou outros, é exatamente a mesma. Em outras palavras, todos esses benefícios representam uma redução do imposto a ser pago pela empresa, visando ao desenvolvimento econômico de regiões específicas e à geração de empregos. Portanto, não faz sentido que, a simples diferença na mecânica de cálculo do incentivo fiscal, haja tratamento tributário diferenciado para fins de cálculo dos impostos sobre a renda. 


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Autor

Tiago Bezerra, sócio da área de Auditoria e responsável pelo escritório de Fortaleza/CE da Mazars. 

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