Créditos tributários acumulados: como evitar perdas com a Reforma Tributária?

A chegada da Reforma Tributária a partir de 2026 traz mudanças estruturais na tributação do consumo e dos serviços no Brasil. E um dos pontos mais sensíveis para empresas é a possibilidade de perda de créditos tributários acumulados em regimes antigos caso esses saldos não sejam revisados, validados e aproveitados em tempo hábil.  

Este artigo mostra o que muda, quais prazos observar, onde estão os principais riscos e como estruturar um plano de ação para mitigar a perda de créditos tributários acumulados. 

Créditos tributários acumulados: o que muda com a LC 214/2025 

A Lei Complementar 214/2025 (LC 214/2025) regula a Reforma Tributária instituída pela Emenda Constitucional nº 132/2023, criando tributos sobre o consumo — a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência compartilhada entre Estados, Distrito Federal e Municípios. 

No eixo da transição, além da LC 124, o Projeto de Lei 108/2024 disciplina o tratamento dos saldos credores apurados sob o regime em vigor (ex.: ICMS e PIS/Cofins) e estabelece mecanismos e prazos para seu aproveitamento, a partir de 2033, com a entrada integral em vigor da nova sistemática tributária. Em termos práticos: 

  • A tomada de crédito passa a seguir as regras do IBS/CBS; 
  • Os créditos “legados” dos tributos substituídos não desaparecem automaticamente, mas precisam ser revisados e utilizados dentro das janelas definidas; 
  • A documentação comprobatória e a aderência formal (SPEDs, escrituração, mapeamento fiscal) tornam‑se determinantes para evitar glosas e a consequente perda de créditos tributários acumulados. 

Além dos dispositivos da LC 214/2025, a PLP 108/2024 (Projeto de Lei que trata, entre outros aspectos, das formas de consumo do saldo credor de ICMS que restar acumulado em 2033) traz regras e detalhes operacionais que impactam diretamente o destino prático dos créditos acumulados. Os pontos mais relevantes a integrar ao seu diagnóstico são: 

  • Reconhecimento e homologação dos créditos: os saldos credores de ICMS existentes em 31/12/2032 deverão ser formalmente homologados pelos Estados, mediante pedido protocolado até cinco anos a partir de 01/01/2033 (arts. 144 a 147). Há previsão de homologação tácita em caso de silêncio do fisco. 
  • Atualização monetária: os créditos serão corrigidos a partir de 01/02/2033 pelo IPCA (ou índice que o substitua) até sua efetiva utilização (art. 146). 
  • Compensação: possibilidade de compensar os créditos homologados tanto com débitos próprios de ICMS (até 2032) quanto, após a transição, com o IBS, em até 240 parcelas mensais (arts. 148 a 150). 
  • Transferência a terceiros: admitida a transferência de créditos homologados, inclusive para compensação de IBS devido por terceiros, embora com restrições de prazo para créditos homologados tacitamente (art. 151). 
  • Ressarcimento em espécie: alternativa prevista quando não houver possibilidade de compensação, mediante pagamento em até 240 parcelas mensais, com atualização pela Selic em caso de atraso (art. 152). 
  • Condição de regularidade fiscal: a utilização ou ressarcimento dos créditos fica condicionada à regularidade do contribuinte perante o IBS e tributos estaduais/distritais (art. 153). 
  • Estoques com ICMS-ST em 31/12/2032: tratamento específico assegura crédito sobre mercadorias em estoque, compensável com IBS em 12 parcelas mensais, mediante inventário e apuração conforme regras do projeto (arts. 155 a 158). 
  • Maior foco na prova documental e aumento provável da litigiosidade administrativa/jurídica: ao condicionar muitos aproveitamentos à homologação, a PLP tende a aumentar disputas sobre origem, quantificação e legitimidade de créditos. 

Esse cenário provoca uma corrida técnica por revisão, qualificação e aproveitamento dos saldos antigos, sob pena de perda de créditos tributários acumulados por expiração de prazo, inconsistência documental ou não atendimento a requisitos formais de cada ente. 

Para entender as oportunidades e os riscos, é preciso conhecer os dispositivos da LC 214/2025 e do Projeto de Lei 108/2024 (em trâmite de aprovação) que estabelecem as regras de transição para os créditos acumulados. Abaixo, confira os pontos mais relevantes: 

Regime antigo / tipo de crédito acumulado Como é tratado esse crédito acumulado Prazos e condições principais 
PIS/Cofins No artigo 378, a LC 214 garante que os créditos de PIS/Cofins, inclusive os presumidos, não apropriados ou não utilizados até a extinção dessas contribuições, permanecerão válidos e utilizáveis sob as regras previstas. Também estabelece que eles poderão ser compensados com débito da CBS, ou ressarcidos ou compensados com outros tributos federais, desde que observados os requisitos do regime antigo na data de extinção.  Extinção do PIS/Cofins: 1º de janeiro de 2027. Créditos devem estar devidamente registrados no ambiente de escrituração aplicável (EFD-Contribuições). 
ICMS Os saldos credores de ICMS existentes em 31 de dezembro de 2032 serão reconhecidos pelos Estados e poderão ser objeto de homologação, a ser requerida pelos contribuintes a partir de 1º de janeiro de 2033, conforme LC 214/2025. Após homologados, tais créditos poderão ser aproveitados por meio de compensação com ICMS ou IBS, transferência a terceiros ou ressarcimento em parcelas, segundo os limites definidos em legislação estadual e nas normas multilaterais. (segundo PLP 108, sujeito à aprovação).  Reconhecimento dos saldos em 31/12/2032, com homologação a partir de 1/1/2033. Utilização possível por compensação, transferência ou ressarcimento, de forma gradual no ICMS e no novo IBS. 
Prazo prescricional / extinção do direito A LC 214 prevê que o direito de utilização dos créditos de PIS/Cofins (artigos 379 a 381) extinguir-se-á após prazo de cinco anos contados de determinadas datas previstas para extinção ou para o registro / apuração do crédito. Cinco anos a partir de movimentos-chave — por exemplo, extinção do tributo ou data limite de escrituração/registro, conforme cada dispositivo. 

Impactos e riscos: a perda de créditos tributários acumulados com a Reforma 

Durante a transição (2026–2032), os créditos acumulados de ICMS continuam a ser utilizados normalmente conforme a legislação vigente. A partir de 2033, os saldos credores existentes em 31/12/2032 deverão ser objeto de pedido de homologação, e, uma vez homologados, poderão ser compensados, transferidos ou ressarcidos. No caso de utilização no âmbito do IBS, o aproveitamento ocorrerá de forma parcelada, em até 240 parcelas mensais (20 anos), com atualização pelo IPCA, conforme previsto no PLP 108/2024, ainda em tramitação no Congresso Nacional. 

Mesmo com previsão de prazos, há possibilidade de crédito prescrever ou de o direito extinguir-se, se não forem observadas as datas-chave (como extinção formal do tributo, registro, pedido de ressarcimento etc.). O prazo prescricional de cinco anos, previsto no CTN, pode ser aplicável ou servir de argumento jurídico, mas depende de cumprimento de todas as formalidades. 

Algumas regras vedam que créditos antigos possam ser usados em compensação com tributos diferentes — por exemplo, créditos de PIS/Cofins somente poderão ser compensados com CBS, ou compensados com outros tributos federais, mas dentro de limites específicos. Abaixo, trazemos mais detalhes do cenário para os impostos federais e estaduais. 

Créditos acumulados de PIS/Cofins 

A LC 214/2025 estabelece que o PIS e a Cofins serão extintos em 1º de janeiro de 2027. Os créditos acumulados até essa data, inclusive os presumidos, não se perdem automaticamente, mas só poderão ser aproveitados se devidamente registrados na EFD-Contribuições e se cumprirem todos os requisitos legais do regime antigo, como a escrituração correta. Esses créditos poderão ser utilizados para compensação com a CBS, com outros tributos federais ou para pedido de ressarcimento, respeitadas as regras de transição. 

Se a empresa deixar para revisar, registrar ou documentar créditos de PIS/Cofins somente após a extinção dessas contribuições, corre o risco de perder o direito ao aproveitamento — seja por falta de comprovação adequada, seja pelo decurso do prazo legal de cinco anos fixado para utilização dos créditos. 

Créditos acumulados de ICMS através da transição para o IBS 

Para o ICMS, os saldos credores existentes em 31 de dezembro de 2032 deverão ser objeto de pedido de homologação pelos contribuintes a partir de 2033, nos termos previstos na PLP 108/2024. Uma vez homologados, esses créditos poderão ser utilizados para compensação no próprio âmbito estadual ou, conforme o modelo de transição, com o IBS, observadas as regras de parcelamento e prazos específicos previstos na lei. 

Se os créditos não forem devidamente homologados no prazo legal (até cinco anos após 1º de janeiro de 2033), ou caso haja falhas na documentação exigida pela legislação estadual, o contribuinte corre o risco de ver tais créditos desconsiderados ou de utilização restrita. 

A proposta também estabelece que créditos residuais serão compensados ou ressarcidos em até 240 parcelas mensais, o que dilui o valor econômico do benefício. 

Para o contribuinte, isso implica a necessidade de:  

  • protocolar tempestivamente os pedidos de homologação; 
  • preparar documentação e registros consistentes; 
  • antecipar o impacto do parcelamento de longo prazo sobre o fluxo de caixa. 

Abaixo, confira também um cronograma resumido, com base na LC 214/2025 e na PL 108/2024: 

Data Evento Implicação para créditos acumulados 
1º de janeiro de 2026 Início do “teste” ou transição inicial (alguns efeitos práticos da reforma começam a aparecer). Empresas devem já estar com seus sistemas fiscais, contábeis e escrituração em ordem. Aproveitamento de créditos de PIS/Cofins começa a depender de registro adequado. 
31 de dezembro de 2026 Último dia para que créditos de PIS/Cofins sejam acumulados/utilizados sob regime antigo antes da extinção formal. Este é um prazo chave para escriturar créditos, revisar as apurações e critérios adotados na tomada dos créditos, retificar escriturações, garantir legitimidade documental. 
1º de janeiro de 2027 Extinção formal de PIS/Cofins; início pleno da CBS em substituição desses tributos. Créditos que não cumprirem requisitos até esta data ficam em risco de não aproveitamento. 
31 de dezembro de 2032 Data de corte para identificação dos saldos credores de ICMS existentes, que serão reconhecidos pelos Estados e DF. Apenas os créditos devidamente apurados até essa data poderão ser objeto de homologação (a ser requerida a partir de 1º/1/2033). Se não forem formalmente homologados dentro do prazo legal (até 5 anos), o contribuinte pode perder o direito ao aproveitamento. 
2033 em diante Plena vigência do novo regime (IBS / CBS substituindo ICMS, ISS, PIS, Cofins), extinção dos tributos vigentes atualmente. Créditos acumulados remanescentes dependem de homologação, regulamentações estaduais, e possuem condições de uso ou ressarcimento previstas na LC 214 e PLP 108 (sujeito à aprovação), mas com prazos longos. 

A possibilidade de perda de créditos acumulados cresce conforme as datas-limite previstas se aproximam, porque as condições para utilização ficam mais rígidas ou simplesmente caducam. 

Portanto, é urgente que empresas façam um diagnóstico completo dos seus créditos tributários acumulados (PIS/Cofins, ICMS, outros) para identificar valores, documentação, escrituração e conformidade. 

O aproveitamento desses créditos acumulados pode representar não só uma economia tributária, mas melhora de fluxo de caixa, auxílio no planejamento de investimento e redução de custo financeiro. 

Como evitar a perda de créditos acumulados? 

Para evitar a perda de créditos tributários acumulados, é fundamental adotar ações técnicas e práticas imediatas. Veja um plano de ação recomendado: 

Inventariar todos os créditos tributários acumulados 

  • Fazer levantamento interno dos saldos credores de PIS/Cofins, ICMS, incentivos fiscais ou regimes especiais, verificando data de geração, se estão escriturados, se possuem documentação de suporte (notas fiscais, contratos, EFD, etc.). 
  • Inclua priorização por risco e materialidade: priorize créditos com maior valor e maior risco de perda (aqueles dependentes de homologação estadual). 

Verificar escrituração correta e tempestiva 

  • Para PIS/Cofins, garantir que os créditos estejam registrados em EFD-Contribuições ou outro livro/registro exigido, até 31/12/2026. Retificar escrituração onde necessário. 
  • Registre também provas adicionais (mapas de apontamentos, relatórios auxiliares) que facilitem eventuais processos de homologação previstos na PLP. 

Homologar créditos de ICMS 

  • Nos Estados, o pedido de homologação dos saldos credores de ICMS deverá ser protocolado a partir de 1º de janeiro de 2033, dentro do prazo legal de até cinco anos, observados os requisitos documentais e procedimentais da legislação estadual. 
  • Observação prática: o PLP 108/2024 reforça a necessidade de preparar previamente a documentação e manter controles de suporte, pois o processo de homologação dependerá da análise e manifestação formal do Estado (com prazos que podem chegar a 24 meses). 

Acompanhar regulamentações estaduais e federais complementares 

  • Há regras que ainda dependem de atos normativos ou instruções regulamentares (por exemplo, para ICMS, para CBS compensações, para devoluções, estoques, créditos presumidos), que podem afetar as condições de uso dos créditos acumulados. 
  • Atenção especial: estados podem editar normas distintas — isso exige monitoramento jurídico por unidade federativa. 

Planejamento tributário e financeiro 

  • Simular cenários comparativos entre compensação, ressarcimento e utilização dos créditos acumulados. 
  • Avaliar os impactos da atualização monetária, do custo de oportunidade e dos potenciais atrasos no ressarcimento ou no uso parcelado (ex.: simular o efeito do parcelamento em 240 meses e calcular o desconto a valor presente). 
  • Ajustar o fluxo de caixa para incorporar a entrada dos créditos ou a liberação gradual dos valores. 

Registrar pedidos formais e acompanhar prazos legais 

  • Fazer os pedidos administrativos de ressarcimento ou compensação dentro dos prazos previstos; manter controle documental para defesa em auditorias ou contenciosos. 
  • Com o PLP: protocole requerimentos de homologação de ICMS com documentação robusta e acompanhe tramitação; registre evidências de cumprimento de requisitos. 

Conte com consultoria especializada 

  • As particularidades do novo modelo e da transição exigem orientação de profissionais experientes para garantir decisões corretas e seguras — tanto para aspectos contábeis quanto para estratégicas administrativas e judiciais. 

Conclusão 

A Lei Complementar 214/2025 abre caminho para uma grande reforma tributária no Brasil, criando CBS, IBS, Imposto Seletivo e regulando a transição dos regimes antigos. A boa notícia é que existem dispositivos que permitem a preservação dos créditos tributários acumulados de PIS/Cofins e ICMS, inclusive para compensação ou ressarcimento. 

No entanto, a possibilidade de perda de créditos acumulados é real, especialmente se não forem observadas as datas-limite, se os créditos não tiverem sido escriturados ou homologados, ou se as empresas deixarem de se preparar para as exigências documentais e legais – e o PLP 108/2024, ao detalhar procedimentos operacionais e limites de aproveitamento, reforça a necessidade de ação imediata, documentação robusta e estratégia proativa

Empresas que inventariam seus saldos, qualificam juridicamente a elegibilidade, saneiam inconsistências e protocolam seus pedidos com antecedência atravessam a transição com mais caixa, menos contingências e maior conformidade. 

A Forvis Mazars está pronta para apoiar sua empresa do diagnóstico ao deferimento, com trabalho técnico, documentação robusta e gestão ativa de riscos — para que a perda de créditos tributários acumulados não comprometa seu resultado na chegada do IBS e da CBS. 

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